terça-feira, 2 de março de 2010

Breve análise de conjuntura

“Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas originais; significa também difundir essas verdades já descobertas, socializa-las por assim dizer; transformá-las portanto em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual. O fato de que uma multidão de pessoas seja levada a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um filosófico bem mais importante e original do que a descoberta, por parte de um gênio, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequeníssimos grupos intelectuais.”

Antonio Gramsci, Concepção dialética da história


Nas últimas décadas, no Brasil, o sentido da palavra reforma foi invertido. Generalizou-se a concepção de que não há a possibilidade de um desenvolvimento em bases nacionais e para todos. Nesse cenário, a mediocridade se move com cada vez mais arrogante e orgulhosa de si. Enfrentar a questão social foi protelado a um futuro longínquo. São inflexões decisivas, complexas, polêmicas, entretanto apresentados à opinião pública de maneira simplista, como fatos consumados, cujas conseqüências de longo prazo sequer necessitam ser objeto de reflexões cuidadosas.
Os integrantes da coalizão dominante são cegos para as conseqüências do sistema que representam. Sua forma de ver a sociedade através de variáveis altamente selecionadas – como a entrada de capital estrangeiro, o desempenho das bolsas de valores, as oportunidades de negócios que se abrem aqui e ali – oculta um sofrimento humano crescente. Tudo converge para sentirmos às avessas o sentimento de que o Brasil era um país viável e se encaminhava para um futuro melhor. A imagem de um país do futuro deu lugar à de um país bloqueado, cuja construção se esgotou sem se ter completado.
A liberdade se reduz ao seu precário travestimento encontrado no mercado capitalista, a cultura se transforma em mercadoria da indústria do entretenimento, as pessoas valem pelo que podem comprar, o desenvolvimento nada tem a ver com uma existência melhor. A infelicidade se eleva a proporções tão gigantescas, e atinge contingente tão amplo, que se torna, ela mesma, objeto de manipulação mercantil. Os tranqüilizantes químicos são os medicamentos mais consumidos. A indústria da segurança privada está entre as de maior crescimento; os seguros-saúde passaram a ser indispensáveis para os que podem pagá-los; a pornografia tornou-se negócio de grande dimensão, oferecida às multidões solitárias; multiplicam-se seitas religiosas que, a preços módicos, garantem a salvação em outro mundo. Nesse cenário, não se deve estranhar que o consumo de drogas – lícitas ou ilícitas – se amplie.
Aprofunda-se o fosso entre, de um lado, o conformismo do pensamento e a pobreza da comunicação, e, de outro, a profundidade da crise em que estamos imersos. Cada vez mais gente é expulsa da sociedade civil e retorna ao “estado de natureza”, que é estado da necessidade, marcado pela exclusão. Legiões de adultos perdem, de forma irreversível direitos já conquistados; enquanto legiões de jovens deixam a adolescência sem terem tido a capacitação necessária para se inserir no universo do trabalho e da cultura. Grande número de pessoas passa a viver sem identidade social definida. A noção de direitos e deveres se enfraquece.
O retorno ao estado de necessidade não degrada a existência apenas dos que já foram lançados nele. Todas as camadas sociais passam a experimentar uma ansiedade permanente entre o presente e o futuro. Dilui-se a distancia entre crise e normalidade, pois a existência normal torna-se crítica. A possibilidade do desemprego, a insegurança diante da violência onipresente, a preocupação com o desamparo em caso de doença/velhice; tudo isso causa um cotidiano de miséria material e moral que a todos atinge. Tudo se torna precário. Um sentimento do frágil, do especulativo, a todos domina, e a incerteza se torna o pano de fundo que preside as ações. As elites estão sempre pensando no próximo bom negócio; o povo na estratégia de sobrevivência para o próximo dia.
Os grupos que têm em comum a experiência da exploração e da exclusão ainda não se expressam de modo universal. Sua consciência , fracionada e desigual, abriga visões de mundo diferentes e, às vezes conflitantes. Porém, contém elementos sinceros e criativos, apesar de rudimentares e ambíguos, que podem servir de base à construção de outro projeto de sociedade. Somente eles têm condições de visualizar uma sociedade em que liberdades civis e direitos sociais sejam indissociáveis, como expressões do direito fundamental a uma vida digna, vivida em paz, sem ameaças e necessidades torturantes. Só eles podem lançar-se de forma decidida na construção desse longo caminho. Para que isso venha a acontecer, a discussão de um novo projeto é, mais do que nunca, necessária ....


Mario dos Santos, Tecnólogo em Gestão Pública, Grupo educacional UNINTER – Curitiba/PR, militante do núcleo Victor Jara - PSOL.

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